VALIDANDO
SENTIMENTOS
A validação de
sentimentos é, talvez, uma das técnicas mais produtivas em um
ambiente de mediação.
Mas, ao mesmo tempo,
uma das que mais gera dúvidas e interpretações equivocadas.
Vamos discutir um
pouco sobre o porquê disso acontecer e vamos pensar em algumas
formas interessantes de colocar a validação em prática.
Este texto tem por
objetivo não dissecar o assunto de forma técnica, mas sim tratar de alguns
pontos-chave que tenham reflexos na prática. Vamos lá?
O QUE SIGNIFICA
VALIDAR UM SENTIMENTO?
De forma resumida,
validar um sentimento significa demonstrar para alguém que você
identificou e reconheceu um determinado sentimento manifestado. Em regra o
fazemos nos expressando verbalmente.
Alguns exemplos de
falas contendo validação de sentimentos:
“João, me pareceu
que você ficou um pouco triste quando tocou no assunto da mudança...”
“Ana, quando você
falou sobre o seu filho eu notei que você ficou muito emocionada...”
“Vi que você fica
muito agitada quando falamos sobre isso, me parece que isso é
realmente muito importante para você...”
Como podemos ver no
exemplo acima, não apenas identificamos algo que a pessoa sentiu,
mas o verbalizamos, de forma proposital, para que a pessoa tenha a certeza e perceba que o sentimento foi identificado.
Também notamos que
não houve qualquer emissão de juízo de valor sobre o que
identificamos. Não concordamos nem discordamos, apenas observamos e
verbalizamos. Falaremos mais sobre isso logo adiante.
POR QUE É
IMPORTANTE VALIDARMOS OS SENTIMENTOS?
Uma pessoa, ao ter
seus sentimentos validados, se sente efetivamente ouvida e
compreendida. A manifestação do sentimento e essa sensação de
compreensão evocam sentimentos de alívio, conforto e confiança,
ajudando a criar um ambiente mais receptivo e colaborativo. Posturas
agressivas ou defensivas tendem a ser amenizadas. Mediandos com
posturas mais apáticas e pouco participativas tendem a se sentir
mais integrados.
Se utilizada de
forma correta, a validação traz resultados que podem ser facilmente
percebidos. Não raro observamos pessoas que mudam instantaneamente a
expressão facial e a postura corporal ao serem validadas. Braços
cruzados se relaxam, expressões faciais de descrença e
aborrecimento se soltam, olhares se tornam mais atentos, etc. A médio
prazo, pode-se destacar a maior participação da pessoa no processo
da mediação, mais disposição, mais interesse e um nível maior de
confiança na figura do mediador. Sentir-se compreendida e respeitada em suas percepções e sentimentos permite que a pessoa sinta-se mais segura e confiante.
Mas é importante
considerarmos alguns detalhes a serem observados para que uma
validação de sentimentos seja efetiva e construtiva.
ERROS COMUNS
COMETIDOS POR MEDIADORES AO VALIDAREM SENTIMENTOS:
1) EMISSÃO DE JUÍZO
DE VALOR
A validação de
sentimento deve ser neutra. Deve refletir aquilo que você observou,
e não sua opinião pessoal.
Ao validar o
mediador deve abster-se de manifestar sua opinião sobre o sentimento
demonstrado e sobre as causas desse sentimento (sejam reais ou não).
Se você concorda ou
não que a pessoa deva estar sentindo aquilo, ou se você se sentiria
de forma diversa, isso não é importante para a validação. O que de
fato importa é o fato de que o sentimento demonstrado é importante
para aquela pessoa. É normal que ela sinta o que está sentido. Aquele
sentimento é válido e deve ser respeitado, independentemente de nossa opinião pessoal.
Não há que se
falar, nesse ponto, sobre sentimentos bons ou ruins, ou em
sentimentos certos ou errados. Não devemos confundir sentimentos com ações. Sentir é parte de nossa natureza; o que fazemos em decorrência desse sentimento pode ter resultados que poderíamos, am algum ponto, classificar como bons ou ruins, mas os sentimentos, por si só, não devem ser julgados. Um sentimento de raiva não resulta, necessariamente, em uma ação agressiva, por exemplo.
Algumas
palavras-chave e expressões são bastante eficientes na validação
de sentimentos, pois demonstram algo que você observou, e não o que
você pensa daquilo: “notei”, “percebi”, “me parece que”,
“pelo que eu pude perceber”, entre muitas outras. O uso dessas
expressões ajuda o mediador a separar o ato de observar do ato de
julgar ou avaliar. Não são uma receita de bolo a ser seguida, mas podem efetivamente ajudar na utilização, principalmente para mediadores que estão pouco acostumados à utilização da técnica.
A emissão de juízo
de valor normalmente leva a dois caminhos: o da invalidação ou o da
simpatia.
2) INVALIDAÇÃO:
Talvez o erro mais
comum, praticado de maneira instintiva por muitos mediadores. Acontece
quando o mediador diminui ou desmerece o sentimento demonstrado pela
pessoa, geralmente com a intenção de diminuir ou ameizar o conflito, dando
algum tipo de conselho. Alguns exemplos de falas invalidadoras que
recomenda-se serem evitadas:
“Maria, você
precisa se acalmar, não vale a pena ficar com raiva por causa
disso...”
Inconscientemente
estamos transmitindo a Maria a mensagem de que ela não tem
maturidade para lidar com aquele sentimento. Que seu "sentir" está errado e deve ser suprimido.
“Antônio, José,
vamos esquecer essa discussão boba e pensar no futuro. O que importa
é daqui pra frente...”
Nesse caso estamos
transmitindo aos dois a ideia de que o conflito não é importante e que eles
estão aborrecidos por alguma “bobagem”, tirando assim o valor do
que sentem. Notem que, aparentemente, estamos dando um enfoque
prospectivo ao conflito, mas se a pessoa não teve seus sentimentos
reconhecidos e validados, terá dificuldade em se desligar do
sentimento negativo e se concentrar no futuro. Aquela postura natural
que muitos assumimos de “deixa disso”, de apaziguadores, por mais
bem-intencionada que seja, tende a causar mais prejuízos que
benefícios.
3) SIMPATIA:
Outro erro comum é sermos simpáticos.
Numa tentativa pouco
eficiente e nos conectarmos à pessoa, ou simplesmente por puro
instinto, podemos demonstrar concordância com os sentimentos
demonstrados. É o que em mediação chamamos de simpatia. É o
alinhamento ao sentimento ou à postura do outro. Exemplos comuns de
falas que demonstram simpatia, devendo ser evitadas:
“Nossa! Que
horrível, você tem toda razão de estar nervoso.”
“Eu sei como é.
Isso é muito triste mesmo.”
“Então foi assim
que aconteceu? Estou sem palavras.”
Tais tipos de
declarações geram nas pessoas sentimentos de parcialidade, a ideia
de que o mediador está do seu lado e é seu aliado. Ainda que seja falsa,
tal percepção compromete a mediação tanto do ponto de vista
prático quanto do ponto de vista ético. A imparcialidade do
mediador é obrigatória, sempre. Mesmo que o mediador de fato se
sensibilize com o sentimento e a situação, deve manter sua postura
profissional. Manter-se neutro na validação de sentimentos não significa que nós mediadores não tenhamos sentimentos ou nunca nos identificamos com algum sentimento ou situação apresentada, mas somente que, apesar desses sentimentos, somos capazes de manter nossa portura ética e profissional.
Validação
pressupõe identificação, não concordância ou similaridade de
sentimentos. Deixe que a pessoa perceba que você observou e
reconhece o que ela está sentindo. Mas não julgue. O sentimento é
dela e não seu.
QUANDO DEVEMOS
VALIDAR OS SENTIMENTOS?
Mesmo que o mediador
seja imparcial e valide os sentimentos de forma neutra, as partes
podem ainda perceber alguma parcialidade.
Como forma de
exercício, imaginem o seguinte cenário:
Você está participando de um procedimento de mediação; você não tem conhecimentos jurídicos; você desconfia da efetividade dessa “tal de mediação”; você está desconfortável com toda a situação. Não obstante, há um mediador conversando com a outra parte e validando seus sentimentos, fazendo-a sentir-se confortável e tranquila. Não é difícil imaginarmos, diante desse cenário, que o mediador está se alinhando àquela parte e se tornando seu aliado. Uma vez que surja essa percepção, fácil notar que pode não haver muita disposição da parte em colaborar com um mediador que esta´ “do lado do outro”.
Você está participando de um procedimento de mediação; você não tem conhecimentos jurídicos; você desconfia da efetividade dessa “tal de mediação”; você está desconfortável com toda a situação. Não obstante, há um mediador conversando com a outra parte e validando seus sentimentos, fazendo-a sentir-se confortável e tranquila. Não é difícil imaginarmos, diante desse cenário, que o mediador está se alinhando àquela parte e se tornando seu aliado. Uma vez que surja essa percepção, fácil notar que pode não haver muita disposição da parte em colaborar com um mediador que esta´ “do lado do outro”.
Assim, para que não
haja esse tipo de percepção, recomenda-se que a validação seja
feita em seção individual. Temos mais liberdade para validar
sentimentos em uma sessão individual, pois temos um ambiente com mais
privacidade e um contato mais direto e particular com a parte.
Podemos, no entanto,
validar, em sessão conjunta, sentimentos comuns a ambos. Se todos demostrarem determinado sentimento, é interessante que o validemos na presença de todos. Alguns exemplos de validação que podem ser
utilizados em sessão conjunta:
“Notei que os dois
ficam muito alegres, até empolgados, quando falam das brincadeiras
do filho...”
O mediador identificou alegria nas falas de ambos ao
mencionarem o filho e a mencionou expressamente.
“Me pareceu que
vocês dois ficaram muito chateados e aborrecidos com a discussão
que tiveram antes do Natal...”
Aqui, durante as falas individuais, os
dois mediandos demonstraram aborrecimento em relação a um mesmo
acontecimento.
Essa validação de
sentimentos que sejam comuns aos dois traz a percepção de conjunto,
de identidade, ajudando as partes a perceberem o conflito como algo
que afeta a ambos. E tal percepção ajuda as partes a perceberem a necessidade de encontrarem, juntas, uma solução para o problema que as afeta
Dito isso, agora
temos um pouco mais de informação para responder à que talvez seja a principal
pergunta dos mediadores:
COMO VALIDAR SENTIMENTOS?
Não existindo uma
fórmula pronta, devemos identificar o sentimento manifestado pela
pessoa e, em momento oportuno, comentarmos com a pessoa que notamos
aquele sentimento. Recomenda-se também a conexão entre esse
sentimento identificado e um interesse diretamente ligado a esse
sentimento.
Essa estratégia tem
a vantagem de recontextualizar a percepção daquele sentimento, o
utilizando para dar enfoque prospectivo ao conflito. Vamos dar alguns
exemplos de falas que demonstram que o mediador identificou o
sentimento e, ao mesmo tempo, o recontextualizou:
Em sessão
individual:
“Pedro, quando
você falou da briga que tiveram ano passado, me pareceu que você
ficou realmente triste com tudo que aconteceu no final do ano e
gostaria que vocês pudessem, ao menos, voltar a conversar como
irmãos, isso mesmo?”
Nesse exemplo o
mediador identificou a tristeza na fala de Pedro ao mencionar certo
acontecimento e a relacionou a um interesse – voltar a conversar
com o irmão. Essa recontextualização modifica o foco do conflito,
o tirando da briga e o trazendo para a vontade de restabelecer o
diálogo.
“Joana, vi que
você sempre fica sorridente quando fala da visita da sua filha, bem
alegre mesmo, e que quer passar mais tempo com ela...”
Aqui o mediador
notou a alegria de Joana ao falar da filha da qual não possui a
guarda e a relacionou ao seu interesse de passarem mais tempo juntas,
ajustando o foco do conflito, da briga com o ex-marido para a vontade
de passar mais tempo com a filha
Em sessão conjunta:
“Notei que os dois
demostraram muita mágoa ao falar da briga que tiveram no Natal, e
querem esclarecer esse incidente de uma forma justa...”
Nesse caso o
mediador identificou, nas falas individuais, a mágoa que ambos
relataram - sentimento comum – e a relacionou à vontade que ambos
demostraram de esclarecer a situação. Uma vez mais, mudança de
foco do aborrecimento ela briga para a intenção de esclarecerem a
situação.
No início pode ser
um pouco difícil nos abstermos de emitir juízo de valor ou de
sermos simpáticos. Praticamente todos nós temos esse hábito em
nosso cotidiano. Quando alguém nos conta seus problemas queremos
"palpitar", queremos aconselhar, queremos acolher. Exatamente por isso
é importante a observação da boa técnica, para que possamos
validar os sentimentos sem cairmos na tentação de invalidar ou de
concordar por instinto. Nosso instinto, nesse caso, tende a nos
sabotar enquanto mediadores.
Como sugestão
didática oriento os mediadores a praticarem a validação no dia a
dia, observando a reação causada nas pessoas. Muitas demonstrarão
satisfação, alívio, cumplicidade, etc, ao serem validadas.
Muito útil também
nos lembrarmos de situações em que alguém nos contou algo contendo
alguma emoção específica, e então fazermos o exercício mental de
imaginarmos como seria validar o sentimento daquela pessoa.
Imaginamos como demostraríamos que identificamos o sentimento, o
conectando a um interesse. Pensamos em como seria nossa fala, que
palavras utilizaríamos, como seria nossa entonação, nosso
acolhimento, etc.
E devemos praticar nas
mediações reais, naturalmente. Sempre tendo em mente que não há
necessidade de validarmos os sentimentos das partes a cada mínima
oportunidade apresentada. Trata-se de técnica que deve ser utilizada
de maneira consciente e tranquila, respeitando-se a dinâmica do caso
e a particularidade de cada situação. Cada vez que utilizarmos a
validação de sentimentos notaremos mais tranquilidade, mais confiança e mais
naturalidade em nossa postura. Cada vez mais incorporaremos a técnica
ao nosso repertório de uma maneira fluida e profissional.
Todo conhecimento
novo pode ser desconfortável no início, mas será sempre
recompensador no futuro.
Bons estudos e
ótimas mediações para todos.
Muito bom este artigo,gostei bastante, como aluno do curso de Mediação me trouxe ampla aprendizagem e me esclareceu minhas duvidas relacionadas a este assunto.
ResponderExcluirParabéns!
Excelente artigo! Foi muito importante para mim. Obrigada.
ResponderExcluirExcelente artigo!
ResponderExcluirObrigada pelo artigo! Sou aluna do curso de Mediação e cheguei aqui com muitas dúvidas em relação à validação de sentimentos. O texto me ajudou a entender melhor essa técnica e também a importância de seu uso durante a sessão de Mediação.
ResponderExcluirEsclarecedor! obrigada!
ResponderExcluirSó tenho a agradecer o conteúdo muito bom obrigada.
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