Uma das questões mais trabalhadas
nos cursos de mediação é a necessidade do mediador trabalhar com os interesses das
partes, e não com suas posições.
O conceito, em si, é de fácil
assimilação. Posições são as intenções declaradas pelas partes, aquilo que elas externam como sendo seu objetivo; enquanto interesses são as motivações que as
levam a declarar tais posições, é aquilo se se busca com a posição declarada.
Exemplo clássico é o dos irmãos
que brigam por uma laranja, a única que resta na casa. Ambos declaram que querem
a laranja para si (posição), não chegando a nenhum entendimento. Assim que
descobrem que um dos irmãos quer beber o suco da laranja, enquanto o outro
deseja fazer um bolo utilizando a casca da laranja (interesses), chegam
facilmente a um acordo sobre o que fazer da fruta. Enquanto se concentravam em
suas posições não conseguiam vislumbrar soluções diferentes daquelas onde o ganho de um
significaria a perda do outro. Ao explorarem seus interesses, porém, conseguem chegar
a uma solução onde ambos ganham.
Embora o entendimento teórico
seja simples, dificilmente se encontrarão em mediações impasses ou conflitos de
tal simplicidade. É comum o mediador, diante de um impasse, não atentar-se para
o fato das partes estarem discutindo posições rígidas. Um dos motivos é a
grande quantidade de informações e técnicas que o mediador utiliza em tempo
real. Não estando acostumado com determinada técnica é natural que o mediador
desprenda uma quantidade grande de sua atenção e concentração ao aplica-la. Com
isso outras técnicas ou questões a serem observadas passam desapercebidas. Com
a experiência e a prática consciente é esperado que o mediador
utilize determinada técnica de maneira cada vez mais natural e fluida,
conseguindo, assim, se atentar a outros pontos também importantes como, por
exemplo, as partes estarem presas a posições.
Outro motivo para a dificuldade
do mediador em visualizar impasses derivados de posições é a complexidade dos problemas
apresentados e a tendência natural do ser humano de simplificar questões
complexas. O fato de não entender o interesse da parte pode levar o mediador a
acreditar que ela age dessa ou daquela forma baseando-se em alguma
experiência pessoal ou algum julgamento. Por exemplo, num divórcio, onde uma
parte declara que deseja levar para casa as roupas de cama que ganhou de seus
pais, pode ser tentador para o mediador concluir que a parte deseja manter para
si, por um laço afetivo, os presentes que ganhou de seus genitores e, daí,
conduzir a mediação acreditando ser esse o interesse da parte, enquanto, na
realidade, pode haver uma grande gama de outras possibilidades, como um vontade
de punir o ex companheiro, afastando-o das lembranças familiares, ou o senso de
justiça da parte, que acredita que é justo cada um ficar com os presentes ganhos
de seus respectivos familiares, ou mera dileção pessoal pelas peças em si. Seja
qual for o interesse que gerou a intenção de levar as roupas de cama, o
mediador não deve apelar para a adivinhação ou suposições baseadas em seus
próprios valores. Chega-se aos reais interesses através de perguntas adequadas
e direcionadas, através da investigação da lide sociológica, e não através de
divagações do próprio mediador. Lembrando, ainda, que nem mesmo é necessário que
o mediador saiba, de fato, os reais interesses das partes; sua função é fazer
com que elas mesmas compreendam tanto seus próprios interesses como os interesses
das outras partes. Afinal, elas construirão, por si mesmas, possíveis soluções,
sendo o mediador mero facilitador que as ajudará a entenderem seus interesses e
a discutirem tais interesseis de forma eficiente.
Um exemplo real é o de um casal em
processo de divórcio onde se discutiam questões como o valor dos alimentos e a
educação da filha de quatro anos de idade. Tendo o caso sido encaminhado para a
mediação, em determinado momento se discutiu a necessidade da filha de estudar
em certa escola particular onde as mensalidades consumiam grande parte do
orçamento familiar. A mãe possuía a guarda fática da filha e a matriculou em
tal escola, sem consulta prévia ao pai. Em uma das sessões conjuntas a mãe declarou que jamais mudaria a filha para outra escola, pois seria direito da
criança terá melhor educação possível. Se mostrava irredutível. O pai, por
outro lado, era categórico ao afirmar que tal gasto era um desperdício de dinheiro
e não poderiam arcar com o valor mensal. Numa análise precipitada e imprudente é
fácil visualizar a mãe como aquela que tem o interesse no bem estar da filha
enquanto o pai seria aquele interessado no dinheiro.
Ao invés presumir os interesses dos
pais, aprofundou-se, porém, nas motivações por trás de tal posição de cada um.
Verificou-se que a mãe tinha preocupações com relação à segurança e a ausência de
bons profissionais em outras escolas. Ela reconhecia que o valor estava
comprometendo outros gastos importantes, mas colocava a segurança a filha e a
qualidade da educação em primeiro plano. O pai tinha um casal amigo com filhos
em uma outra escola, de mensalidade mais barata, e ouvia falar muito bem da
mesma, não havendo qualquer motivo de sua parte para crer que a segurança da
filha ou a qualidade da educação estava comprometida. Acreditava, ainda, que a
diferença no valor da mensalidade poderia ser revertida em favor da própria
filha. Enquanto a genitora via o pai como alguem insensível às necessidades da filha, sem
saber que este já havia feito pesquisas e ouvido de alguns profissionais
excelentes referências da outra escolas, este a via como uma pessoa
inconsequente e teimosa, imaginando que a escola cara seria uma forma de atingi-lo,
sem saber que a genitora tinha preocupações legítimas com relação à filha,
devido a relatos de amigos que atestavam a qualidade da escola em questão. Ao
ouvirem e reconhecerem os anseios um do outro, decidiram por fazerem uma
visita, em horários separados, a uma das escolas alternativas, a fim de
conversarem com a diretora e os professores. Em sessão futura constatou-se que
ambos ficaram impressionados com a qualidade da escola visitada, que possuía
parcerias com diversas instituições e tinha, segundo seus relatos, um alto
padrão de segurança e professores interessados e bem preparados. Decidiram por
matricular a filha na nova escola, ficando o pai responsável por custear o transporte.
Em uma valiosa sessão conjunta, reconheceram que as preocupações um do outro
eram legítimas e que, caso não tivessem se ouvido e reconhecido as motivações
do outro, provavelmente manteriam suas posições rígidas iniciais e a que a tensão
do conflito aumentaria caso a decisão sobre a escola fosse imposta
judicialmente.
Caso o mediador insistisse com as
partes em uma eventual negociação sem explorar os interesses, baseando-se somente
nas posições de “manter na escola” ou “tirar da escola”, esta não passaria de
mera barganha, pois uma das partes teria que abrir mão do que considerava justo em
prol da posição do outro. Explorando os interesses, porém, nenhuma das partes
saiu perdendo, pois os interesses em mesa foram satisfeitos mutuamente. Vale
ressaltar, nesse exemplo, que a mudança de escola está mais próxima da proposta
inicial do pai; porém, tal arranjo atendeu a ambos igualmente, sendo falsa a
percepção de que o pai, de alguma forma, teria “vencido” a negociação. No
acordo construído o pai até mesmo aumentou suas despesas, visto que, além de não
terem modificado nenhum valor com relação aos alimentos, ainda assumiu nova
responsabilidade com o custeio do transporte. Mas seus interesses, o bem estar da
filha e a melhor administração das finanças em prol da mesma, foi alcançado.
Lado outro, a mãe não abriu mão de nenhum de seus interesses, apenas descobriu
nova forma de atendê-los.
Um ponto importante a ser
ressaltado nesse exemplo é que só foi possível às partes se ouvirem e se
entenderem a partir do momento que foram feitas perguntas orientadas ao
esclarecimento dos interesses. Algumas perguntas usadas foram : “Me explique
melhor essa questão da segurança... o que está lhe preocupando?”, “E por que você entende que uma mensalidade
mais em conta vai ser bom pra sua filha?” Esse tipo de perguntas induz a parte a
esclarecer seus interesses na presença um do outro, tornando-se, dessa forma, uma ponte para o diálogo. A parte talvez não se dispusesse a esclarecer seus pontos
de vista para o outro deliberadamente, mas o faz em resposta às perguntas do mediador,
facilitando, assim, o entendimento mútuo.
A busca pelos reais interesse
pode ser vista, assim, como um princípio norteador para a atuação do mediador.
Buscando-se esclarecimentos de forma inteligente e eficiente torna-se mais
difícil de se chegar a impasses onde o mediador se veja em situações nas quais
não saiba o que fazer frente a posições antagônicas e aparentemente
irredutíveis das partes.
Excelente como apresentou as diferenças. Os exemplos foram fundamentais. Parabéns e obrigada
ResponderExcluirMuito bom este exemplo. Gostaria de mais exemplos e explicações como esta. Teria um banco exemplos ou questões e suas respostas. Parabéns pela iniciativa da página.
ResponderExcluirObrigada ! Estou iniciando na mediação e conciliação e os exemplos foram valiosos.
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