quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Técnicas de Mediação: Reafirmação

As técnicas de mediação não podem ser entendidas de forma isolada. Numa simples frase de oito ou dez palavras dita pelo mediador em certo momento, diversas técnicas estarão sendo usadas simultaneamente. Mas podemos, para fins didáticos, e para facilitar a prática consciente, analisar algumas técnicas separadamente.

A escuta ativa é, sem sombra de dúvida, não apenas uma técnica, mas uma obrigatoriedade para o mediador durante toda a sessão. A escuta ativa vai transmitir à parte a certeza de estar sendo ouvida, de que o que tem a falar é importante, de que o mediador está de fato interessado no que tem a dizer, entre diversas outras coisas. E há várias técnicas dentro da técnica de escuta ativa: perguntas abertas, perguntas fechadas, peguntas circulares, reflexivas, paráfrase, reafirmação, etc. E hoje vou tratar desta última, a reafirmação, que apesar de extremamente simples, tem a capacidade de atingir não só quem está falando, mas principalmente a outra parte.

O conceito é simples: você, enquanto mediador, repete, em voz alta, algo ou parte de algo que um dos mediandos disse, com algum objetivo específico.

Exemplo:
Mediando: "Meu filho gosta muito das aulas de futebol, mas meu marido diz que não tem tempo mais para levá-lo..."
Mediador: "Certo, seu filho gosta das aulas de futebol, correto?"

Embora possa realmente ser usada para tirarmos alguma dúvida sobre algo que foi dito e não tenhamos entendido corretamente, o objetivo aqui é usá-la de forma proposital, mesmo tendo entendido perfeitamente o que foi dito. A razão é DESTACARMOS algum ponto que entendemos pertinente.

No exemplo acima, imaginemos uma sessão com um casal, onde a mãe está falando sobre o filho. A reafirmação ali foi usada não visando a mãe, mas o pai. Foi uma intervenção intencional, para destacarmos que o filho gosta das aulas de futebol.

Exemplo:
Mediando:Eu e meu vizinho nunca tivemos problema, até que os latidos do cachorro começaram a acordar o bebê de madrugada.
Mediador: "Os latidos acordam o bebê de madrugada? É isso mesmo?"

Aqui o objetivo foi fazer a outra parte (o vizinho) entender como seu cachorro está afetando o outro lado. Forçamos, através de um pequeno truque linguístico, o vizinho a sair por alguns momentos de sua posição de defesa e conhecer o interesse do outro.

Exemplo:
Mediando: "Eu quero que a gente se entenda. Mas minha irmã só pensa nela mesma..."
Mediador: "Você quer volta a se entender com sua irmã, certo?"

A reafirmação serviu para destacar a parte construtiva da declaração, a vontade da parte de se entender com a irmã, deixando de lado o conteúdo pejorativo, a crítica à pessoa.

Seria ingenuidade pensar que uma simples reafirmação vai reestruturar toda a construção de uma visão de mundo de uma das partes, mas o objetivo, de fato, não é esse... mas sim filtrar a comunicação, focando-a nos aspectos positivos. A comunicação será tão menos eficaz quanto for o uso de linguagem agressiva, pejorativa. E, ao mudarmos o enfoque, filtrando os conteúdos, estamos criando condições favoráveis à boa comunicação. A reação natural a uma agressão é a defesa ou mesmo o contra-ataque. Tirando o conteúdo agressivo, ajudamos as partes a baixarem esse escudo natural.

Mas não pára por aí. Alguns conteúdos importantes que são ditos podem passar em branco numa sessão. A parte pode estar falando depressa, de maneira afobada, sem o interesse da outra, por exemplo. Nesse caso, algo relevante pode simplesmente se perder em meio a uma enxurrada de declarações. Pela reafirmação trazemos à tona os pontos importantes. Como se marcássemos um trecho importante de um livro com uma caneta marca-texto. A atenção se volta para aquele objeto que está ali camuflado entre tantos outros. O mediador escolhe o ponto que quer dar destaque, de acordo com o objetivo, e o repete.

Vamos um pouco mais além. Devemos lembrar que ao longo da mediação o mediador cria uma aura de confiabilidade para si mesmo. As partes podem não se ouvir, por diversos motivos, como mágoa, falta de interesse, raiva, deboche...etc. Algo dito por uma parte, mesmo sendo importante, tende a não ser ouvido pela outra. Mas a parte dá ouvidos quando é dito pelo mediador. Observem isso em qualquer sessão.

O mediador assume, psicologicamente para as partes, uma posição de líder (não confundir "chefe" com "líder"; o mediador não é chefe, mas lidera a comunicação). E algo dito nessa posição será ouvido, ou tenderá a ser ouvido, de forma muito mais atenta do que quando é dito por um adversário. Basta imaginar uma discussão sobre política, onde cada um tem uma posição diferente. Alguém já viu algo produtivo sair de uma discussão desse tipo? Alguém muda de opinião numa discussão dessas? Alguém realmente ouve os argumentos do outro? A posição de adversário induz a pessoa a ser indiferente a qualquer argumentação, lógica ou não. É a natureza humana: defendemos o que é nosso e rechaçamos o que é contra (ou que pensamos que é contra, já que a percepção da realidade é mais importante que a própria realidade num conflito).

Mas o mediador, se está fazendo seu papel de forma correta, não é visto como adversário, mas como colaborador. Mesmo quando as partes ainda se vêem como adversários ou mesmo inimigos.

Agora um pouco de prática.

Como puderam perceber, essa ferramenta linguística é potencialmente eficiente, mas devemos ter alguns cuidados:

Ela deve soar de forma espontânea, mesmo que estejamos usando de forma intencional. Nada de ficarmos "robotizados" repetindo o que o mediando fala. Segue algumas dicas:

Contextualize a técnica. Como? Use-a como um pedido de esclarecimento à parte. Você quer se assegurar de que entendeu o que foi dito; então repita algo da narrativa da parte e peça para ela esclarecer se você entendeu de forma correta. Você deve transmitir a sensação de que a parte precisa esclarecer um ponto que você pode não ter entendido. A ideia é que a reafirmação esteja "disfarçada" num pedido de esclarecimento. Coloco entre aspas porque o mediador, de fato, não deve manipular ou enganar, mas ajudar no entendimento e na comunicação. Não é uma ferramenta para ludibriar, mas para facilitar a comunicação.

Seja natural. Em caso de insegurança, pratique em qualquer conversa que tiver. Pratique no seu bate-papo, sem maiores pretensões, e perceba que é mais simples do que parece.

E ponham em prática. Experimentem utilizar a reafirmação de forma consciente em sua próxima sessão e observem os resultados. Quando praticadas de forma consciente as técnicas serão incorporadas em nossa forma de mediar muito mais efetivamente, ao ponto de se tornarem instintivas.


Abraços e espero que tenham gostado. Dudu.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Se justificar ou assumir responsabilidades? Recontextualizando.

Um dos grandes problemas numa sessão de mediação é a comunicação. Seja a comunicação entre os mediandos entre si ou com o mediador.

Vou tratar de um dos fatores específicos que entravam a boa comunicação: a atribuição de culpa. E apontar algumas reflexões sobre possíveis forma de lidarmos com ela.

Algo que observamos com muita frequência - arrisco dizer que praticamente sempre - no início das mediações é  postura das partes atribuem umas às outras a culpa pelo estabelecimento do conflito. Justificam determinada conduta com o argumento de que a "culpa é do outro".

Exemplo: Maria não quer apresentar ideias na sessão porque diz que João, seu marido, "nunca a escuta, mesmo....". Ou José, que alega que sua vizinha Ana, universitária, faz barulho demais com festas, mas que é "impossível conversar com esses estudantes. Nunca respeitam os mais velhos..."

Nos dois casos, o mediando transferiu toda a responsabilidade do conflito para o outro.

Agora você, mediador ou mediadora que se depara com estas declarações, como recontextualizaria essas declarações para que os mediandos se vejam como parte da solução?

Uma sugestão: "Dona Maria, o que nós faremos então a partir de agora para que seu marido passe a escutá-la? O que a senhora acha que funcionaria pra ele ser mais atento? Como a senhora acha que deve se comunicar com ele pra que ele a escute?"

"Seu José, então estamos percebendo que o senhor está se incomodando com o barulho e sente que a sua vizinha não vai nem ouvi-lo... Pelo que eu vejo a gente precisa encontrar ma forma de que os dois possam passar a conversar. O que o senhor sugere?"

Nesses dois exemplos várias técnicas foram conjugadas. Demonstramos que estamos de fato atento às partes (escuta ativa, valoração, etc). Mudamos o enfoque do problema para a solução; o enfoque agora é prospectivo. Estamos trabalhando os interesses ocultos (ser escutado e compreendido pelo outro), e não somente as posições. Estamos incentivando as partes a colaborarem com a solução de maneira ativa e apresentar ideias. Estamos empoderando as partes ao mostramos a elas que elas podem construir esse novo diálogo.

Várias técnicas aplicadas simultaneamente com esse pequeno "truque", que na verdade é uma ferramenta poderosa para estabelecer uma comunicação produtiva. Bastou deslocarmos os mediandos da posição de atribuidores de culpa para uma posição de responsabilidade.

Enquanto técnica, não há um momento "correto" para a aplicarmos. Como mediadores, devemos, em todo estágio da mediação, conduzir a uma boa comunicação, e essa mudança de perspectiva (justificação para responsabilidade) pode ser usada a todo momento. Enquanto mediadores devemos ser capazes de perceber esses entraves na comunicação. O uso adequado da paráfrase se mostra uma ferramenta ótima para uma boa recontextualização. Assim, nos momentos em que utilizarmos essa técnica, especificamente, termos muitas boas oportunidades de favorecermos a recontextualização do conflito.

Então segue uma sugestão minha: nas próximas sessões, procurem ficar atentos às declarações dos mediandos que os coloquem em posição defensiva, atribuindo culpa ao outro. Identificar esses momentos é o primeiro passo. Experimentem, então, com toda a naturalidade da conversação, ajudá-los a reconstruir suas declarações, indagando-as sobre possíveis soluções.

Um breve exemplo hipotético: uma parte, em uma sessão privada, faz a seguinte declaração: "Ela nunca me escuta, parece que tudo que falo entra por um ouvido e sai pelo outro..." Mediador: "Você gostaria de ela lhe escutasse melhor, certo? Há algo que você entenda que possa fazer para lhe ela lhe escute melhor, da maneira que você quer ser ouvido?"

Quadro inicial: "Ela não me escuta" (atribuição de culpa);
Novo quadro favorecido pela técnica: "O que posso fazer para ela me compreender melhor" (assunção de responsabilidade).

Neste exemplo específico utilizamos a paráfrase, buscando identificar uma necessidade na declaração inicial da pessoa, colocando essa necessidade em foco. Na sequência aplicou-se uma pergunta aberta reflexiva, ajudando a parte a pensar em estratégias e ações.

Muito além da técnica, responsabilizar-se na busca por soluções - ao invés de meramente culpar o outro - é uma postura nobre, ética e eficiente.

Em termos mais práticos, obtemos melhores resultados quando assumimos uma postura de buscar soluções. Seja no ambiente familiar, escolar, no trabalho, etc.

Indo um pouco além, na teoria da negociação por princípios, um dos entraves à criação de ideias que gerem ganho mútuo é a pressuposição de que "resolver o problema do outro é problema do outro". O bom negociador sabe que, não somente deve agir ativamente na busca de soluções para seus interesses, como sabe que é eficaz satisfazer o interesse do outro como forma de atingir o próprio interesse.  Aqui podemos levar ainda mais adiante a ideia de responsabilização, uma vez que ao nos buscarmos também soluções que atendam ao outro, aumentamos o ganho mútuo do sistema. Esse tópico em específico pede um estudo mais aprofundado. Recomendo fortemente a leitura da obra Como Chegar Ao Sim, de Roger Fisher, William Uri.