segunda-feira, 30 de maio de 2016

Validando sentimentos

VALIDANDO SENTIMENTOS

A validação de sentimentos é, talvez, uma das técnicas mais produtivas em um ambiente de mediação.

Mas, ao mesmo tempo, uma das que mais gera dúvidas e interpretações equivocadas.

Vamos discutir um pouco sobre o porquê disso acontecer e vamos pensar em algumas formas interessantes de colocar a validação em prática.

Este texto tem por objetivo não dissecar o assunto de forma técnica, mas sim tratar de alguns pontos-chave que tenham reflexos na prática. Vamos lá?


O QUE SIGNIFICA VALIDAR UM SENTIMENTO?

De forma resumida, validar um sentimento significa demonstrar para alguém que você identificou e reconheceu um determinado sentimento manifestado. Em regra o fazemos nos expressando verbalmente.

Alguns exemplos de falas contendo validação de sentimentos:

“João, me pareceu que você ficou um pouco triste quando tocou no assunto da mudança...”

“Ana, quando você falou sobre o seu filho eu notei que você ficou muito emocionada...”

“Vi que você fica muito agitada quando falamos sobre isso, me parece que isso é realmente muito importante para você...”

Como podemos ver no exemplo acima, não apenas identificamos algo que a pessoa sentiu, mas o verbalizamos, de forma proposital, para que a pessoa tenha a certeza e perceba que o sentimento foi identificado.

Também notamos que não houve qualquer emissão de juízo de valor sobre o que identificamos. Não concordamos nem discordamos, apenas observamos e verbalizamos. Falaremos mais sobre isso logo adiante.


POR QUE É IMPORTANTE VALIDARMOS OS SENTIMENTOS?

Uma pessoa, ao ter seus sentimentos validados, se sente efetivamente ouvida e compreendida. A manifestação do sentimento e essa sensação de compreensão evocam sentimentos de alívio, conforto e confiança, ajudando a criar um ambiente mais receptivo e colaborativo. Posturas agressivas ou defensivas tendem a ser amenizadas. Mediandos com posturas mais apáticas e pouco participativas tendem a se sentir mais integrados.

Se utilizada de forma correta, a validação traz resultados que podem ser facilmente percebidos. Não raro observamos pessoas que mudam instantaneamente a expressão facial e a postura corporal ao serem validadas. Braços cruzados se relaxam, expressões faciais de descrença e aborrecimento se soltam, olhares se tornam mais atentos, etc. A médio prazo, pode-se destacar a maior participação da pessoa no processo da mediação, mais disposição, mais interesse e um nível maior de confiança na figura do mediador. Sentir-se compreendida e respeitada em suas percepções e sentimentos permite que a pessoa sinta-se mais segura e confiante.

Mas é importante considerarmos alguns detalhes a serem observados para que uma validação de sentimentos seja efetiva e construtiva.


ERROS COMUNS COMETIDOS POR MEDIADORES AO VALIDAREM SENTIMENTOS:

1) EMISSÃO DE JUÍZO DE VALOR

A validação de sentimento deve ser neutra. Deve refletir aquilo que você observou, e não sua opinião pessoal.

Ao validar o mediador deve abster-se de manifestar sua opinião sobre o sentimento demonstrado e sobre as causas desse sentimento (sejam reais ou não).

Se você concorda ou não que a pessoa deva estar sentindo aquilo, ou se você se sentiria de forma diversa, isso não é importante para a validação. O que de fato importa é o fato de que o sentimento demonstrado é importante para aquela pessoa. É normal que ela sinta o que está sentido. Aquele sentimento é válido e deve ser respeitado, independentemente de nossa opinião pessoal.

Não há que se falar, nesse ponto, sobre sentimentos bons ou ruins, ou em sentimentos certos ou errados. Não devemos confundir sentimentos com ações. Sentir é parte de nossa natureza; o que fazemos em decorrência desse sentimento pode ter resultados que poderíamos, am algum ponto, classificar como bons ou ruins, mas os sentimentos, por si só, não devem ser julgados. Um sentimento de raiva não resulta, necessariamente, em uma ação agressiva, por exemplo.

Algumas palavras-chave e expressões são bastante eficientes na validação de sentimentos, pois demonstram algo que você observou, e não o que você pensa daquilo: “notei”, “percebi”, “me parece que”, “pelo que eu pude perceber”, entre muitas outras. O uso dessas expressões ajuda o mediador a separar o ato de observar do ato de julgar ou avaliar. Não são uma receita de bolo a ser seguida, mas podem efetivamente ajudar na utilização, principalmente para mediadores que estão pouco acostumados à utilização da técnica.

A emissão de juízo de valor normalmente leva a dois caminhos: o da invalidação ou o da simpatia.

2) INVALIDAÇÃO:

Talvez o erro mais comum, praticado de maneira instintiva por muitos mediadores. Acontece quando o mediador diminui ou desmerece o sentimento demonstrado pela pessoa, geralmente com a intenção de diminuir ou ameizar o conflito, dando algum tipo de conselho. Alguns exemplos de falas invalidadoras que recomenda-se serem evitadas:

“Maria, você precisa se acalmar, não vale a pena ficar com raiva por causa disso...”

Inconscientemente estamos transmitindo a Maria a mensagem de que ela não tem maturidade para lidar com aquele sentimento. Que seu "sentir" está errado e deve ser suprimido.

“Antônio, José, vamos esquecer essa discussão boba e pensar no futuro. O que importa é daqui pra frente...”

Nesse caso estamos transmitindo aos dois a ideia de que o conflito não é importante e que eles estão aborrecidos por alguma “bobagem”, tirando assim o valor do que sentem. Notem que, aparentemente, estamos dando um enfoque prospectivo ao conflito, mas se a pessoa não teve seus sentimentos reconhecidos e validados, terá dificuldade em se desligar do sentimento negativo e se concentrar no futuro. Aquela postura natural que muitos assumimos de “deixa disso”, de apaziguadores, por mais bem-intencionada que seja, tende a causar mais prejuízos que benefícios.

3) SIMPATIA:

 Outro erro comum é sermos simpáticos.

Numa tentativa pouco eficiente e nos conectarmos à pessoa, ou simplesmente por puro instinto, podemos demonstrar concordância com os sentimentos demonstrados. É o que em mediação chamamos de simpatia. É o alinhamento ao sentimento ou à postura do outro. Exemplos comuns de falas que demonstram simpatia, devendo ser evitadas:

“Nossa! Que horrível, você tem toda razão de estar nervoso.”

“Eu sei como é. Isso é muito triste mesmo.”

“Então foi assim que aconteceu? Estou sem palavras.”

Tais tipos de declarações geram nas pessoas sentimentos de parcialidade, a ideia de que o mediador está do seu lado e é seu aliado. Ainda que seja falsa, tal percepção compromete a mediação tanto do ponto de vista prático quanto do ponto de vista ético. A imparcialidade do mediador é obrigatória, sempre. Mesmo que o mediador de fato se sensibilize com o sentimento e a situação, deve manter sua postura profissional. Manter-se neutro na validação de sentimentos não significa que nós mediadores não tenhamos sentimentos ou nunca nos identificamos com algum sentimento ou situação apresentada, mas somente que, apesar desses sentimentos, somos capazes de manter nossa portura ética e profissional.

Validação pressupõe identificação, não concordância ou similaridade de sentimentos. Deixe que a pessoa perceba que você observou e reconhece o que ela está sentindo. Mas não julgue. O sentimento é dela e não seu.


QUANDO DEVEMOS VALIDAR OS SENTIMENTOS?

Mesmo que o mediador seja imparcial e valide os sentimentos de forma neutra, as partes podem ainda perceber alguma parcialidade.

Como forma de exercício, imaginem o seguinte cenário:

Você está participando de um procedimento de mediação; você não tem conhecimentos jurídicos; você desconfia da efetividade dessa “tal de mediação”; você está desconfortável com toda a situação. Não obstante, há um mediador conversando com a outra parte e validando seus sentimentos, fazendo-a sentir-se confortável e tranquila. Não é difícil imaginarmos, diante desse cenário, que o mediador está se alinhando àquela parte e se tornando seu aliado. Uma vez que surja essa percepção, fácil notar que pode não haver muita disposição da parte em colaborar com um mediador que esta´ “do lado do outro”.

Assim, para que não haja esse tipo de percepção, recomenda-se que a validação seja feita em seção individual. Temos mais liberdade para validar sentimentos em uma sessão individual, pois temos um ambiente com mais privacidade e um contato mais direto e particular com a parte.

Podemos, no entanto, validar, em sessão conjunta, sentimentos comuns a ambos. Se todos demostrarem determinado sentimento, é interessante que o validemos na presença de todos. Alguns exemplos de validação que podem ser utilizados em sessão conjunta:

“Notei que os dois ficam muito alegres, até empolgados, quando falam das brincadeiras do filho...” 

O mediador identificou alegria nas falas de ambos ao mencionarem o filho e a mencionou expressamente.

“Me pareceu que vocês dois ficaram muito chateados e aborrecidos com a discussão que tiveram antes do Natal...” 

Aqui, durante as falas individuais, os dois mediandos demonstraram aborrecimento em relação a um mesmo acontecimento.

Essa validação de sentimentos que sejam comuns aos dois traz a percepção de conjunto, de identidade, ajudando as partes a perceberem o conflito como algo que afeta a ambos. E tal percepção ajuda as partes a perceberem a necessidade de encontrarem, juntas, uma solução para o problema que as afeta

Dito isso, agora temos um pouco mais de informação para responder à que talvez seja a principal pergunta dos mediadores:


COMO VALIDAR SENTIMENTOS?

Não existindo uma fórmula pronta, devemos identificar o sentimento manifestado pela pessoa e, em momento oportuno, comentarmos com a pessoa que notamos aquele sentimento. Recomenda-se também a conexão entre esse sentimento identificado e um interesse diretamente ligado a esse sentimento.

Essa estratégia tem a vantagem de recontextualizar a percepção daquele sentimento, o utilizando para dar enfoque prospectivo ao conflito. Vamos dar alguns exemplos de falas que demonstram que o mediador identificou o sentimento e, ao mesmo tempo, o recontextualizou:

Em sessão individual:

“Pedro, quando você falou da briga que tiveram ano passado, me pareceu que você ficou realmente triste com tudo que aconteceu no final do ano e gostaria que vocês pudessem, ao menos, voltar a conversar como irmãos, isso mesmo?”

Nesse exemplo o mediador identificou a tristeza na fala de Pedro ao mencionar certo acontecimento e a relacionou a um interesse – voltar a conversar com o irmão. Essa recontextualização modifica o foco do conflito, o tirando da briga e o trazendo para a vontade de restabelecer o diálogo.

“Joana, vi que você sempre fica sorridente quando fala da visita da sua filha, bem alegre mesmo, e que quer passar mais tempo com ela...”

Aqui o mediador notou a alegria de Joana ao falar da filha da qual não possui a guarda e a relacionou ao seu interesse de passarem mais tempo juntas, ajustando o foco do conflito, da briga com o ex-marido para a vontade de passar mais tempo com a filha

Em sessão conjunta:

“Notei que os dois demostraram muita mágoa ao falar da briga que tiveram no Natal, e querem esclarecer esse incidente de uma forma justa...”

Nesse caso o mediador identificou, nas falas individuais, a mágoa que ambos relataram - sentimento comum – e a relacionou à vontade que ambos demostraram de esclarecer a situação. Uma vez mais, mudança de foco do aborrecimento ela briga para a intenção de esclarecerem a situação.

No início pode ser um pouco difícil nos abstermos de emitir juízo de valor ou de sermos simpáticos. Praticamente todos nós temos esse hábito em nosso cotidiano. Quando alguém nos conta seus problemas queremos "palpitar", queremos aconselhar, queremos acolher. Exatamente por isso é importante a observação da boa técnica, para que possamos validar os sentimentos sem cairmos na tentação de invalidar ou de concordar por instinto. Nosso instinto, nesse caso, tende a nos sabotar enquanto mediadores.

Como sugestão didática oriento os mediadores a praticarem a validação no dia a dia, observando a reação causada nas pessoas. Muitas demonstrarão satisfação, alívio, cumplicidade, etc, ao serem validadas.

Muito útil também nos lembrarmos de situações em que alguém nos contou algo contendo alguma emoção específica, e então fazermos o exercício mental de imaginarmos como seria validar o sentimento daquela pessoa. Imaginamos como demostraríamos que identificamos o sentimento, o conectando a um interesse. Pensamos em como seria nossa fala, que palavras utilizaríamos, como seria nossa entonação, nosso acolhimento, etc.

E devemos praticar nas mediações reais, naturalmente. Sempre tendo em mente que não há necessidade de validarmos os sentimentos das partes a cada mínima oportunidade apresentada. Trata-se de técnica que deve ser utilizada de maneira consciente e tranquila, respeitando-se a dinâmica do caso e a particularidade de cada situação. Cada vez que utilizarmos a validação de sentimentos notaremos mais tranquilidade, mais confiança e mais naturalidade em nossa postura. Cada vez mais incorporaremos a técnica ao nosso repertório de uma maneira fluida e profissional.

Todo conhecimento novo pode ser desconfortável no início, mas será sempre recompensador no futuro.


Bons estudos e ótimas mediações para todos.

domingo, 3 de maio de 2015

Interesses e Posições

     Uma das questões mais trabalhadas nos cursos de mediação é a necessidade do mediador trabalhar com os interesses das partes, e não com suas posições.

     O conceito, em si, é de fácil assimilação. Posições são as intenções declaradas pelas partes, aquilo que elas externam como sendo seu objetivo; enquanto interesses são as motivações que as levam a declarar tais posições, é aquilo se se busca com a posição declarada.

     Exemplo clássico é o dos irmãos que brigam por uma laranja, a única que resta na casa. Ambos declaram que querem a laranja para si (posição), não chegando a nenhum entendimento. Assim que descobrem que um dos irmãos quer beber o suco da laranja, enquanto o outro deseja fazer um bolo utilizando a casca da laranja (interesses), chegam facilmente a um acordo sobre o que fazer da fruta. Enquanto se concentravam em suas posições não conseguiam vislumbrar soluções diferentes daquelas onde o ganho de um significaria a perda do outro. Ao explorarem seus interesses, porém, conseguem chegar a uma solução onde ambos ganham.

     Embora o entendimento teórico seja simples, dificilmente se encontrarão em mediações impasses ou conflitos de tal simplicidade. É comum o mediador, diante de um impasse, não atentar-se para o fato das partes estarem discutindo posições rígidas. Um dos motivos é a grande quantidade de informações e técnicas que o mediador utiliza em tempo real. Não estando acostumado com determinada técnica é natural que o mediador desprenda uma quantidade grande de sua atenção e concentração ao aplica-la. Com isso outras técnicas ou questões a serem observadas passam desapercebidas. Com a experiência e a prática consciente é esperado que o mediador utilize determinada técnica de maneira cada vez mais natural e fluida, conseguindo, assim, se atentar a outros pontos também importantes como, por exemplo, as partes estarem presas a posições.

     Outro motivo para a dificuldade do mediador em visualizar impasses derivados de posições é a complexidade dos problemas apresentados e a tendência natural do ser humano de simplificar questões complexas. O fato de não entender o interesse da parte pode levar o mediador a acreditar que ela age dessa ou daquela forma baseando-se em alguma experiência pessoal ou algum julgamento. Por exemplo, num divórcio, onde uma parte declara que deseja levar para casa as roupas de cama que ganhou de seus pais, pode ser tentador para o mediador concluir que a parte deseja manter para si, por um laço afetivo, os presentes que ganhou de seus genitores e, daí, conduzir a mediação acreditando ser esse o interesse da parte, enquanto, na realidade, pode haver uma grande gama de outras possibilidades, como um vontade de punir o ex companheiro, afastando-o das lembranças familiares, ou o senso de justiça da parte, que acredita que é justo cada um ficar com os presentes ganhos de seus respectivos familiares, ou mera dileção pessoal pelas peças em si. Seja qual for o interesse que gerou a intenção de levar as roupas de cama, o mediador não deve apelar para a adivinhação ou suposições baseadas em seus próprios valores. Chega-se aos reais interesses através de perguntas adequadas e direcionadas, através da investigação da lide sociológica, e não através de divagações do próprio mediador. Lembrando, ainda, que nem mesmo é necessário que o mediador saiba, de fato, os reais interesses das partes; sua função é fazer com que elas mesmas compreendam tanto seus próprios interesses como os interesses das outras partes. Afinal, elas construirão, por si mesmas, possíveis soluções, sendo o mediador mero facilitador que as ajudará a entenderem seus interesses e a discutirem tais interesseis de forma eficiente.

     Um exemplo real é o de um casal em processo de divórcio onde se discutiam questões como o valor dos alimentos e a educação da filha de quatro anos de idade. Tendo o caso sido encaminhado para a mediação, em determinado momento se discutiu a necessidade da filha de estudar em certa escola particular onde as mensalidades consumiam grande parte do orçamento familiar. A mãe possuía a guarda fática da filha e a matriculou em tal escola, sem consulta prévia ao pai. Em uma das sessões conjuntas a mãe declarou que jamais mudaria a filha para outra escola, pois seria direito da criança terá melhor educação possível. Se mostrava irredutível. O pai, por outro lado, era categórico ao afirmar que tal gasto era um desperdício de dinheiro e não poderiam arcar com o valor mensal. Numa análise precipitada e imprudente é fácil visualizar a mãe como aquela que tem o interesse no bem estar da filha enquanto o pai seria aquele interessado no dinheiro.

     Ao invés presumir os interesses dos pais, aprofundou-se, porém, nas motivações por trás de tal posição de cada um. Verificou-se que a mãe tinha preocupações com relação à segurança e a ausência de bons profissionais em outras escolas. Ela reconhecia que o valor estava comprometendo outros gastos importantes, mas colocava a segurança a filha e a qualidade da educação em primeiro plano. O pai tinha um casal amigo com filhos em uma outra escola, de mensalidade mais barata, e ouvia falar muito bem da mesma, não havendo qualquer motivo de sua parte para crer que a segurança da filha ou a qualidade da educação estava comprometida. Acreditava, ainda, que a diferença no valor da mensalidade poderia ser revertida em favor da própria filha. Enquanto a genitora via o pai como alguem insensível às necessidades da filha, sem saber que este já havia feito pesquisas e ouvido de alguns profissionais excelentes referências da outra escolas, este a via como uma pessoa inconsequente e teimosa, imaginando que a escola cara seria uma forma de atingi-lo, sem saber que a genitora tinha preocupações legítimas com relação à filha, devido a relatos de amigos que atestavam a qualidade da escola em questão. Ao ouvirem e reconhecerem os anseios um do outro, decidiram por fazerem uma visita, em horários separados, a uma das escolas alternativas, a fim de conversarem com a diretora e os professores. Em sessão futura constatou-se que ambos ficaram impressionados com a qualidade da escola visitada, que possuía parcerias com diversas instituições e tinha, segundo seus relatos, um alto padrão de segurança e professores interessados e bem preparados. Decidiram por matricular a filha na nova escola, ficando o pai responsável por custear o transporte. Em uma valiosa sessão conjunta, reconheceram que as preocupações um do outro eram legítimas e que, caso não tivessem se ouvido e reconhecido as motivações do outro, provavelmente manteriam suas posições rígidas iniciais e a que a tensão do conflito aumentaria caso a decisão sobre a escola fosse imposta judicialmente.

     Caso o mediador insistisse com as partes em uma eventual negociação sem explorar os interesses, baseando-se somente nas posições de “manter na escola” ou “tirar da escola”, esta não passaria de mera barganha, pois uma das partes teria que abrir mão do que considerava justo em prol da posição do outro. Explorando os interesses, porém, nenhuma das partes saiu perdendo, pois os interesses em mesa foram satisfeitos mutuamente. Vale ressaltar, nesse exemplo, que a mudança de escola está mais próxima da proposta inicial do pai; porém, tal arranjo atendeu a ambos igualmente, sendo falsa a percepção de que o pai, de alguma forma, teria “vencido” a negociação. No acordo construído o pai até mesmo aumentou suas despesas, visto que, além de não terem modificado nenhum valor com relação aos alimentos, ainda assumiu nova responsabilidade com o custeio do transporte. Mas seus interesses, o bem estar da filha e a melhor administração das finanças em prol da mesma, foi alcançado. Lado outro, a mãe não abriu mão de nenhum de seus interesses, apenas descobriu nova forma de atendê-los.

     Um ponto importante a ser ressaltado nesse exemplo é que só foi possível às partes se ouvirem e se entenderem a partir do momento que foram feitas perguntas orientadas ao esclarecimento dos interesses. Algumas perguntas usadas foram : “Me explique melhor essa questão da segurança... o que está lhe preocupando?”,  “E por que você entende que uma mensalidade mais em conta vai ser bom pra sua filha?” Esse tipo de perguntas induz a parte a esclarecer seus interesses na presença um do outro, tornando-se, dessa forma, uma ponte para o diálogo. A parte talvez não se dispusesse a esclarecer seus pontos de vista para o outro deliberadamente, mas o faz em resposta às perguntas do mediador, facilitando, assim,  o entendimento mútuo.

     A busca pelos reais interesse pode ser vista, assim, como um princípio norteador para a atuação do mediador. Buscando-se esclarecimentos de forma inteligente e eficiente torna-se mais difícil de se chegar a impasses onde o mediador se veja em situações nas quais não saiba o que fazer frente a posições antagônicas e aparentemente irredutíveis das partes.

sábado, 6 de dezembro de 2014

A Imparcialidade e Suas Armadilhas

O mediador não julga, não decide e, portanto, não deve tomar partido ou se posicionar em relação às partes.  Não é sua função. Ponto.

Se o mediador, de qualquer forma, beneficia uma das partes em detrimento da outra, está errando sobre vários aspectos.

Inicialmente pela quebra de confiança no processo, já que as partes precisam confiar que o mediador seja imparcial para cooperar. A parte que vê no mediador um aliado da outra parte agirá de acordo com essa visão, de maneira consciente ou não.

Erra também ao prejudicar diretamente ambas as partes, independente que quem esteja supostamente sendo beneficiado, pois a mediação deve empoderar as partes, auxiliando-as a tornarem-se capazes de resolver seus conflitos de forma mais eficiente; e com o “empurrãozinho” do mediador, estarão recebendo uma ajuda que não se prolongará no tempo, já que, terminada a mediação, as relações entre as partes continuarão e não haverá um mediador todo o tempo para guia-los.

Vale lembrar que o mediador que atua na esfera judiciária está atuando como agente público naquele momento. E a mediação judicial é um serviço público, devendo respeitar os princípios do Direito Administrativo, como os princípios da igualdade e da isonomia. Lembremos, ainda, que o Estado tem responsabilidade civil sobre os danos causados por atos de seus representantes, cabendo indenização à parte prejudicada pela atuação do mediador que agiu de má-fé ou de maneira imprudente.

O dever de imparcialidade não deve ser apenas objetivo, deve ser também aparente. As partes precisam perceber nos mediadores a postura imparcial. A confiança no processo depende dessa percepção.

O mediador não é uma criatura fria e sem sentimentos. Sentir uma afeição maior pela situação de umas das partes, ou mesmo considerar que uma parte está certa ou errada, é parte da natureza humana. O que o mediador não deve é permitir que estes sentimentos e estas considerações influenciem seu trabalho e contaminem sua atuação.

É um tanto comum as partes buscarem a parcialidade do mediador, agindo de forma a tentar influenciá-lo, ou convencê-lo de que estão com a razão. Por mais que expliquemos que o mediador é imparcial e neutro, e não tem poder de decisão, muitos mediandos continuarão a tentar “puxá-lo” para seu lado, na tentativa de ganhar, no mediador, um aliado contra a outra parte. Tal postura é previsível e deve ser vista pelo mediador com algo normal a um conflito. Cabe a nós explicarmos, de forma adequada, nossa função. E um bom mediador não pode ser pego de surpresa por este tipo de situação. Ao contrário, deve possuir ferramentas para lidar com os diversos tipos de comportamento que as partes apresentam. Buscar aliados é parte da natureza social do ser humano. Uma mediação bem conduzida, porém, demonstrará às partes que convencer ou não o mediador não é necessário nem desejável.

Exemplificando:  Numa mediação que trate de um divórcio é comum haver uma certa identificação de gênero das partes com os mediadores, como uma esposa que pode buscar amparo em uma mediadora, usando argumentos como:  “Você também é mãe, você me entende...” ou um marido que busque a solidariedade do mediador com argumentos como: “A gente que é homem sabe como funciona cabeça de mulher...”

Tais momentos podem se tornar verdadeiras armadilhas para o mediador desatento.

São momentos delicados onde o mediador deve ser vigilante com sua postura. Numa sessão em conjunto, frases em resposta aos exemplos acima como: “Claro, eu entendo....” ou “Sei bem como é...” são facas de dois gumes. Numa tentativa de parecer simpático ou solidário com a parte, a fim de, talvez, melhorar o rapport com a mesma, o mediador cria a embaraçosa situação de estar sendo visto pela outra parte como alguém parcial, alguém que “está do lado do outro.” Nunca é demais lembrar que as partes agem não de acordo com a mera realidade, mas de acordo com sua percepção de realidade. Se a parte o percebe como parcial, o trabalho já estará prejudicado, independentemente de você estar ou não o sendo.

Tais armadilhas são tentadoras, pois gostamos de demonstrar simpatia, de deixar a pessoa à vontade para se abrir. Podemos fazer isso instintivamente, sem ao menos percebermos. Agindo com boas intenções prejudicamos a própria mediação. Mais um motivo para o mediador diligente evitar agir somente com base em seu instinto e sua experiência pessoal. A observância da boa técnica pode salvar a mediação em casos assim. Alinhe sempre sua experiência a uma boa técnica.

Devemos também mencionar as situações onde uma parte é mais carismática, mais comunicativa, ou mesmo situações de maior poder aparente de uma parte em relação à outra. Um possível exemplo seria uma mediação envolvendo um gerente de banco e um trabalhador de baixa renda e pouca instrução. É bem possível que o gerente se mostre mais articulado, mais à vontade, etc, e isto pode criar a aparência de uma dominação sobre a outra parte na própria mediação. A parte que sentir que a outra se mostra mais articulada e dominante tenderá a desconfiar da parcialidade do mediador e adotar posturas defensivas, como a agressividade ou a retração. Mais uma vez o mediador deve ter a capacidade de manejar a situação de modo a ambos se sentirem empoderados e ouvidos em igualdade de condições.

Até mesmo a escolha de vocabulário do mediador pode influenciar na forma coma as partes veem sua imparcialidade. Um palavreado mais próximo ao linguajar jurídico, por exemplo, pode soar confortável para uma parte e intimidador para outra.

O mediador deve ser vigilante com estas situações e buscar sempre estar preparado para imprevistos. Tenha estratégias para agir em situações como as exemplificadas, onde uma parte busca influenciá-lo, ou onde uma parte se sente desempoderada no próprio processo de mediação por questões sociais ou culturais. Antecipe-se aos imprevistos e tenha o maior domínio possível de suas técnicas, afim de poder se flexibilizar e se adaptar a cada situação.

Abraços e boas mediações.

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

A Agressão Verbal Bem Intencionada

Todos nós temos defeitos. Muitos deles.

Mas, se podemos afirmar uma coisa com certa tranquilidade sobre nossa capacidade de identificar defeitos, é que temos muito mais facilidade de vê-los nos outros que em nós mesmos.

Ou, como acontece com frequência, defeitos que acreditamos que ver nos outros. Ou, ainda, defeitos que queremos enxergar nos outros, afim de sentirmos algum tipo de alívio em acreditarmos que a culpa é do outro. Assumir a responsabilidade pela forma como agimos e falamos nem sempre é algo agradável, e requer um certo nível de maturidade emocional.

Uma das grandes falhas de comunicação que observamos nas sessões de mediação é a insistência de muitas pessoas em julgar as ações do outro segundo seus próprios valores. Ao não compreendermos a visão de mundo do outro ou, pelo menos, aceitarmos que o outro possui uma forma diferente da nossa de enxergar e valorar o mundo, podemos cair na armadilha de acharmos que sabemos o que o outro precisa e, pior ainda, como o outro deve agir.

Presos nessa armadilha, pensamos que o outro deve mudar sua maneira de agir, que o outro deve se expressar melhor, que o outro deve mudar sua postura, etc. Enfim, que a responsabilidade pela mudança é sempre do outro.

É muito comum ouvirmos falas do tipo:

“Estou fazendo meu melhor, mas ele(a) tem que mudar seu jeito de ser ou será impossível conversarmos....”

Ou ainda:

 “Quero o bem dele(a),  mas ele(a) precisa mudar o comportamento já, pelo próprio bem.”

Consideremos, nestes dois exemplos de fala, que essa seja realmente a percepção da pessoa. Ela entende que o outra pessoa precisa mudar de comportamento, sendo, por exemplo, mais aberta ou menos inflexível. Seguindo esta percepção a pessoa se dirige à outra com expressões como:

“Você precisa aprender a ouvir mais...”

Ou:

“Você tem que cuidar mais de si mesmo, ou nunca vai melhorar...”

Pensemos um pouco em quem ouve esse tipo de declaração. A pessoa está muitas vezes fragilizada por um conflito intenso, ou com as emoções afloradas por um momento de cólera ou pouco receptiva a ouvir. Sabemos que pessoas em situação de conflito agem de forma agressiva/defensiva por instinto. É algo natural ao conflito.

Tal pessoa ouvirá, talvez, as mesmas frases de forma diferente. Exemplificando:

“Você precisa aprender a ouvir mais...”  (“não bastasse tudo que estamos passando, ainda me chama de cabeça-dura...”)

“Você tem que cuidar mais de si mesmo, ou nunca vai melhorar...”  (está me chamando de negligente, de fracassado, sendo que estou assim por causa dele(a)...”).

Não importa o quão bem intencionada foi a fala; pessoas em conflitos ouvem conselhos como forma de agressão. Querem ser compreendidas, e não censuradas ou culpadas. Boas intenções serão ouvidas como demonstrações de arrogância,  de desrespeito.

O mediador dispõe de muitas ferramentas para recontextualizar tal tipo de fala, como a paráfrase, o resumo, etc. Mas é preciso uma boa dose de sensibilidade para perceber certas situações que podem parecer produtivas numa visão superficial.

Imaginemos duas pessoas numa sessão de mediação falando calmamente sobre suas preocupações um com o outro. A princípio podemos pensar que estamos tendo um momento produtivo, com as partes respeitando a fala do outro sem interrupções, ambos mostrando  como estão preocupados com o bem estar do outro e sendo compreendidas. Mas devemos estar atentos aos detalhes de quem está ouvindo... suas reações emocionais, postura corporal, expressões faciais, entre outras pistas que podem indicar como esta pessoa está se sentido ao ouvir o outro. Talvez, por mero respeito às regras colocadas pelo mediador, esteja ouvindo as “boas intenções” do outro e “engolindo em seco” as acusações que, sob seu ponto de vista, está recebendo. (Lembrando que as pessoas reagem e sentem não em resposta aos fatos, mas em resposta à sua percepção dos acontecimentos. A fala pode não ser agressiva por si só, mas se o ouvinte a percebe como agressiva, agirá de acordo, levantando barreiras defensivas).

Nós, mediadores, devemos zelar por uma comunicação realmente produtiva entre os mediandos, tomando muito cuidado com essas pequenas armadilhas de situações aparentemente positivas. Precisamos ter uma atenção especial às reações de quem ouve, lançando mão das ferramentas que dispomos para evitarmos situações de desconforto e stress emocional.  Talvez seja o caso de, em sessão individual, perguntarmos às partes como se sentiriam ouvindo as mesmas frases. Aqui não cabe nenhum tipo de sugestão pronta, visto a grande gama de peculiaridades que existirão em cada caso concreto. Resta contar com a boa técnica e experiência de cada um para identificar as nuances da situação e lidar com elas.

Situações com forte carga emocional trarão ainda mais desconforto e stress emocional. O mediador deve compreender que a resposta agressiva ou defensiva da parte é algo normal ao conflito. A reação defensiva/agressiva não deve ser censurada, mas sim compreendida, a fim de ser trabalhada.

Uma boa estratégia comunicativa pra não levantar barreiras defensivas é a observação sem julgamentos. Quando alguém diz expressamente o que pensa da outra pessoa a reação normal é a defesa. Se uma parte tem uma percepção qualitativa de uma ação da outra parte, pode-se afirmar com razoável certeza que a percepção dessa outra parte é bastante diferente. E tais percepções não se alteram simplesmente. Daí vem a inutilidade de se mensurar valores em uma mediação. Não existem valores absolutos. O que é bom para um pode ser ruim para o outro. O que é banal para um pode ser importante para o outro.

Mais eficiente que mensurar valores, buscando qual valor é mais importante, é compreender que todos os valores são legítimos para quem os tem.

Uma alternativa à comparação de valores é e observação isenta de julgamentos, acompanhada da descrição do que a situação causa no observador. Quando declaramos como nos sentimos ou como percebemos um fato ou uma situação, não damos espaço para discussão de valores. Um exemplo: "A" e "B", colegas de trabalho, combinam de chegar ao serviço meia hora mais cedo durante uma semana, a fim de trabalharem num projeto em que ambos estão envolvido. "B" não cumpre o combinado nos dois primeiros dias, deixando "A" apreensivo e desconfortável com a situação.

Diante da situação, José se dirige a João para esclarecerem a questão. Vamos imaginar duas possíveis abordagens de José.

Primeira hipótese:

"João, já é a segunda vez que você não cumpre o que a gente combinou, eu acreditei na sua palavra. Se você não tiver responsabilidade com o horário nosso trabalho vai por água a baixo."

Segunda hipótese:

"João, combinamos semana passada chegar meia hora mais cedo e ainda não aconteceu. Estou preocupado com nosso prazo."

Na primeira hipótese José deixa claro que considera João alguém sem palavra e irresponsável. João, muito provavelmente, tem uma visão completamente diferente sobre sua postura. Talvez parar ele o combinado não tenha ficado muito claro, ou talvez acontecera algum fato que o impossibilitou de chegar mais cedo e, por alguma motivo, não conseguiu avisar a tempo. O ponto é que, independente de quem está com a razão, João será defensivo daquele ponto da conversa em diante, pois foi acusado e julgado pelo colega. Em sua visão, João é sim uma pessoa de palavra e totalmente responsável com suas obrigações.

Na segunda hipótese José apenas observou o ocorrido, sem julgar o comportamento de João, e declarou suas preocupações. Se o julgamento de José a respeito de João é questionável, o que José sente, por outro lado, é sempre legítimo. José está dizendo como se sente com a situação, e somente José pode de fato saber como se sente. Não é algo que possa ser rebatido. Ao mesmo tempo, ao não ter seu comportamento julgado, João ficará mais aberto às preocupações do colega, pois não há necessidade de se defender de acusações.

Independente de quem está com a razão, a segunda abordagem traz melhores resultados. Ao invés de colocar a responsabilidade pelo conflito em João, José escolher ser parte da solução. Talvez fosse muito mais fácil para ele dar um sermão ou uma lição de moral no colega, apontando seus erros e o aconselhando sobre seu comportamento. Mas José escolheu não acusar ou demonstrar julgamentos sobre o colega, deixando espaço para o diálogo aberto.

Esse tipo de abordagem, observar sem julgar e expressar as próprias preocupações ou sentimentos é um dos fundamentos do método de Comunicação Não Violenta, ou CNV, desenvolvido por Marshall Rosemberg. Aqui foi feita apenas uma mera exposição de alguns princípios. Vale aqui lembrar que o estudo da CNV é mandatário para qualquer mediador atuante.

Bons estudos e ótimas mediações!


quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Técnicas de Mediação: Reafirmação

As técnicas de mediação não podem ser entendidas de forma isolada. Numa simples frase de oito ou dez palavras dita pelo mediador em certo momento, diversas técnicas estarão sendo usadas simultaneamente. Mas podemos, para fins didáticos, e para facilitar a prática consciente, analisar algumas técnicas separadamente.

A escuta ativa é, sem sombra de dúvida, não apenas uma técnica, mas uma obrigatoriedade para o mediador durante toda a sessão. A escuta ativa vai transmitir à parte a certeza de estar sendo ouvida, de que o que tem a falar é importante, de que o mediador está de fato interessado no que tem a dizer, entre diversas outras coisas. E há várias técnicas dentro da técnica de escuta ativa: perguntas abertas, perguntas fechadas, peguntas circulares, reflexivas, paráfrase, reafirmação, etc. E hoje vou tratar desta última, a reafirmação, que apesar de extremamente simples, tem a capacidade de atingir não só quem está falando, mas principalmente a outra parte.

O conceito é simples: você, enquanto mediador, repete, em voz alta, algo ou parte de algo que um dos mediandos disse, com algum objetivo específico.

Exemplo:
Mediando: "Meu filho gosta muito das aulas de futebol, mas meu marido diz que não tem tempo mais para levá-lo..."
Mediador: "Certo, seu filho gosta das aulas de futebol, correto?"

Embora possa realmente ser usada para tirarmos alguma dúvida sobre algo que foi dito e não tenhamos entendido corretamente, o objetivo aqui é usá-la de forma proposital, mesmo tendo entendido perfeitamente o que foi dito. A razão é DESTACARMOS algum ponto que entendemos pertinente.

No exemplo acima, imaginemos uma sessão com um casal, onde a mãe está falando sobre o filho. A reafirmação ali foi usada não visando a mãe, mas o pai. Foi uma intervenção intencional, para destacarmos que o filho gosta das aulas de futebol.

Exemplo:
Mediando:Eu e meu vizinho nunca tivemos problema, até que os latidos do cachorro começaram a acordar o bebê de madrugada.
Mediador: "Os latidos acordam o bebê de madrugada? É isso mesmo?"

Aqui o objetivo foi fazer a outra parte (o vizinho) entender como seu cachorro está afetando o outro lado. Forçamos, através de um pequeno truque linguístico, o vizinho a sair por alguns momentos de sua posição de defesa e conhecer o interesse do outro.

Exemplo:
Mediando: "Eu quero que a gente se entenda. Mas minha irmã só pensa nela mesma..."
Mediador: "Você quer volta a se entender com sua irmã, certo?"

A reafirmação serviu para destacar a parte construtiva da declaração, a vontade da parte de se entender com a irmã, deixando de lado o conteúdo pejorativo, a crítica à pessoa.

Seria ingenuidade pensar que uma simples reafirmação vai reestruturar toda a construção de uma visão de mundo de uma das partes, mas o objetivo, de fato, não é esse... mas sim filtrar a comunicação, focando-a nos aspectos positivos. A comunicação será tão menos eficaz quanto for o uso de linguagem agressiva, pejorativa. E, ao mudarmos o enfoque, filtrando os conteúdos, estamos criando condições favoráveis à boa comunicação. A reação natural a uma agressão é a defesa ou mesmo o contra-ataque. Tirando o conteúdo agressivo, ajudamos as partes a baixarem esse escudo natural.

Mas não pára por aí. Alguns conteúdos importantes que são ditos podem passar em branco numa sessão. A parte pode estar falando depressa, de maneira afobada, sem o interesse da outra, por exemplo. Nesse caso, algo relevante pode simplesmente se perder em meio a uma enxurrada de declarações. Pela reafirmação trazemos à tona os pontos importantes. Como se marcássemos um trecho importante de um livro com uma caneta marca-texto. A atenção se volta para aquele objeto que está ali camuflado entre tantos outros. O mediador escolhe o ponto que quer dar destaque, de acordo com o objetivo, e o repete.

Vamos um pouco mais além. Devemos lembrar que ao longo da mediação o mediador cria uma aura de confiabilidade para si mesmo. As partes podem não se ouvir, por diversos motivos, como mágoa, falta de interesse, raiva, deboche...etc. Algo dito por uma parte, mesmo sendo importante, tende a não ser ouvido pela outra. Mas a parte dá ouvidos quando é dito pelo mediador. Observem isso em qualquer sessão.

O mediador assume, psicologicamente para as partes, uma posição de líder (não confundir "chefe" com "líder"; o mediador não é chefe, mas lidera a comunicação). E algo dito nessa posição será ouvido, ou tenderá a ser ouvido, de forma muito mais atenta do que quando é dito por um adversário. Basta imaginar uma discussão sobre política, onde cada um tem uma posição diferente. Alguém já viu algo produtivo sair de uma discussão desse tipo? Alguém muda de opinião numa discussão dessas? Alguém realmente ouve os argumentos do outro? A posição de adversário induz a pessoa a ser indiferente a qualquer argumentação, lógica ou não. É a natureza humana: defendemos o que é nosso e rechaçamos o que é contra (ou que pensamos que é contra, já que a percepção da realidade é mais importante que a própria realidade num conflito).

Mas o mediador, se está fazendo seu papel de forma correta, não é visto como adversário, mas como colaborador. Mesmo quando as partes ainda se vêem como adversários ou mesmo inimigos.

Agora um pouco de prática.

Como puderam perceber, essa ferramenta linguística é potencialmente eficiente, mas devemos ter alguns cuidados:

Ela deve soar de forma espontânea, mesmo que estejamos usando de forma intencional. Nada de ficarmos "robotizados" repetindo o que o mediando fala. Segue algumas dicas:

Contextualize a técnica. Como? Use-a como um pedido de esclarecimento à parte. Você quer se assegurar de que entendeu o que foi dito; então repita algo da narrativa da parte e peça para ela esclarecer se você entendeu de forma correta. Você deve transmitir a sensação de que a parte precisa esclarecer um ponto que você pode não ter entendido. A ideia é que a reafirmação esteja "disfarçada" num pedido de esclarecimento. Coloco entre aspas porque o mediador, de fato, não deve manipular ou enganar, mas ajudar no entendimento e na comunicação. Não é uma ferramenta para ludibriar, mas para facilitar a comunicação.

Seja natural. Em caso de insegurança, pratique em qualquer conversa que tiver. Pratique no seu bate-papo, sem maiores pretensões, e perceba que é mais simples do que parece.

E ponham em prática. Experimentem utilizar a reafirmação de forma consciente em sua próxima sessão e observem os resultados. Quando praticadas de forma consciente as técnicas serão incorporadas em nossa forma de mediar muito mais efetivamente, ao ponto de se tornarem instintivas.


Abraços e espero que tenham gostado. Dudu.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Se justificar ou assumir responsabilidades? Recontextualizando.

Um dos grandes problemas numa sessão de mediação é a comunicação. Seja a comunicação entre os mediandos entre si ou com o mediador.

Vou tratar de um dos fatores específicos que entravam a boa comunicação: a atribuição de culpa. E apontar algumas reflexões sobre possíveis forma de lidarmos com ela.

Algo que observamos com muita frequência - arrisco dizer que praticamente sempre - no início das mediações é  postura das partes atribuem umas às outras a culpa pelo estabelecimento do conflito. Justificam determinada conduta com o argumento de que a "culpa é do outro".

Exemplo: Maria não quer apresentar ideias na sessão porque diz que João, seu marido, "nunca a escuta, mesmo....". Ou José, que alega que sua vizinha Ana, universitária, faz barulho demais com festas, mas que é "impossível conversar com esses estudantes. Nunca respeitam os mais velhos..."

Nos dois casos, o mediando transferiu toda a responsabilidade do conflito para o outro.

Agora você, mediador ou mediadora que se depara com estas declarações, como recontextualizaria essas declarações para que os mediandos se vejam como parte da solução?

Uma sugestão: "Dona Maria, o que nós faremos então a partir de agora para que seu marido passe a escutá-la? O que a senhora acha que funcionaria pra ele ser mais atento? Como a senhora acha que deve se comunicar com ele pra que ele a escute?"

"Seu José, então estamos percebendo que o senhor está se incomodando com o barulho e sente que a sua vizinha não vai nem ouvi-lo... Pelo que eu vejo a gente precisa encontrar ma forma de que os dois possam passar a conversar. O que o senhor sugere?"

Nesses dois exemplos várias técnicas foram conjugadas. Demonstramos que estamos de fato atento às partes (escuta ativa, valoração, etc). Mudamos o enfoque do problema para a solução; o enfoque agora é prospectivo. Estamos trabalhando os interesses ocultos (ser escutado e compreendido pelo outro), e não somente as posições. Estamos incentivando as partes a colaborarem com a solução de maneira ativa e apresentar ideias. Estamos empoderando as partes ao mostramos a elas que elas podem construir esse novo diálogo.

Várias técnicas aplicadas simultaneamente com esse pequeno "truque", que na verdade é uma ferramenta poderosa para estabelecer uma comunicação produtiva. Bastou deslocarmos os mediandos da posição de atribuidores de culpa para uma posição de responsabilidade.

Enquanto técnica, não há um momento "correto" para a aplicarmos. Como mediadores, devemos, em todo estágio da mediação, conduzir a uma boa comunicação, e essa mudança de perspectiva (justificação para responsabilidade) pode ser usada a todo momento. Enquanto mediadores devemos ser capazes de perceber esses entraves na comunicação. O uso adequado da paráfrase se mostra uma ferramenta ótima para uma boa recontextualização. Assim, nos momentos em que utilizarmos essa técnica, especificamente, termos muitas boas oportunidades de favorecermos a recontextualização do conflito.

Então segue uma sugestão minha: nas próximas sessões, procurem ficar atentos às declarações dos mediandos que os coloquem em posição defensiva, atribuindo culpa ao outro. Identificar esses momentos é o primeiro passo. Experimentem, então, com toda a naturalidade da conversação, ajudá-los a reconstruir suas declarações, indagando-as sobre possíveis soluções.

Um breve exemplo hipotético: uma parte, em uma sessão privada, faz a seguinte declaração: "Ela nunca me escuta, parece que tudo que falo entra por um ouvido e sai pelo outro..." Mediador: "Você gostaria de ela lhe escutasse melhor, certo? Há algo que você entenda que possa fazer para lhe ela lhe escute melhor, da maneira que você quer ser ouvido?"

Quadro inicial: "Ela não me escuta" (atribuição de culpa);
Novo quadro favorecido pela técnica: "O que posso fazer para ela me compreender melhor" (assunção de responsabilidade).

Neste exemplo específico utilizamos a paráfrase, buscando identificar uma necessidade na declaração inicial da pessoa, colocando essa necessidade em foco. Na sequência aplicou-se uma pergunta aberta reflexiva, ajudando a parte a pensar em estratégias e ações.

Muito além da técnica, responsabilizar-se na busca por soluções - ao invés de meramente culpar o outro - é uma postura nobre, ética e eficiente.

Em termos mais práticos, obtemos melhores resultados quando assumimos uma postura de buscar soluções. Seja no ambiente familiar, escolar, no trabalho, etc.

Indo um pouco além, na teoria da negociação por princípios, um dos entraves à criação de ideias que gerem ganho mútuo é a pressuposição de que "resolver o problema do outro é problema do outro". O bom negociador sabe que, não somente deve agir ativamente na busca de soluções para seus interesses, como sabe que é eficaz satisfazer o interesse do outro como forma de atingir o próprio interesse.  Aqui podemos levar ainda mais adiante a ideia de responsabilização, uma vez que ao nos buscarmos também soluções que atendam ao outro, aumentamos o ganho mútuo do sistema. Esse tópico em específico pede um estudo mais aprofundado. Recomendo fortemente a leitura da obra Como Chegar Ao Sim, de Roger Fisher, William Uri.