terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Se justificar ou assumir responsabilidades? Recontextualizando.

Um dos grandes problemas numa sessão de mediação é a comunicação. Seja a comunicação entre os mediandos entre si ou com o mediador.

Vou tratar de um dos fatores específicos que entravam a boa comunicação: a atribuição de culpa. E apontar algumas reflexões sobre possíveis forma de lidarmos com ela.

Algo que observamos com muita frequência - arrisco dizer que praticamente sempre - no início das mediações é  postura das partes atribuem umas às outras a culpa pelo estabelecimento do conflito. Justificam determinada conduta com o argumento de que a "culpa é do outro".

Exemplo: Maria não quer apresentar ideias na sessão porque diz que João, seu marido, "nunca a escuta, mesmo....". Ou José, que alega que sua vizinha Ana, universitária, faz barulho demais com festas, mas que é "impossível conversar com esses estudantes. Nunca respeitam os mais velhos..."

Nos dois casos, o mediando transferiu toda a responsabilidade do conflito para o outro.

Agora você, mediador ou mediadora que se depara com estas declarações, como recontextualizaria essas declarações para que os mediandos se vejam como parte da solução?

Uma sugestão: "Dona Maria, o que nós faremos então a partir de agora para que seu marido passe a escutá-la? O que a senhora acha que funcionaria pra ele ser mais atento? Como a senhora acha que deve se comunicar com ele pra que ele a escute?"

"Seu José, então estamos percebendo que o senhor está se incomodando com o barulho e sente que a sua vizinha não vai nem ouvi-lo... Pelo que eu vejo a gente precisa encontrar ma forma de que os dois possam passar a conversar. O que o senhor sugere?"

Nesses dois exemplos várias técnicas foram conjugadas. Demonstramos que estamos de fato atento às partes (escuta ativa, valoração, etc). Mudamos o enfoque do problema para a solução; o enfoque agora é prospectivo. Estamos trabalhando os interesses ocultos (ser escutado e compreendido pelo outro), e não somente as posições. Estamos incentivando as partes a colaborarem com a solução de maneira ativa e apresentar ideias. Estamos empoderando as partes ao mostramos a elas que elas podem construir esse novo diálogo.

Várias técnicas aplicadas simultaneamente com esse pequeno "truque", que na verdade é uma ferramenta poderosa para estabelecer uma comunicação produtiva. Bastou deslocarmos os mediandos da posição de atribuidores de culpa para uma posição de responsabilidade.

Enquanto técnica, não há um momento "correto" para a aplicarmos. Como mediadores, devemos, em todo estágio da mediação, conduzir a uma boa comunicação, e essa mudança de perspectiva (justificação para responsabilidade) pode ser usada a todo momento. Enquanto mediadores devemos ser capazes de perceber esses entraves na comunicação. O uso adequado da paráfrase se mostra uma ferramenta ótima para uma boa recontextualização. Assim, nos momentos em que utilizarmos essa técnica, especificamente, termos muitas boas oportunidades de favorecermos a recontextualização do conflito.

Então segue uma sugestão minha: nas próximas sessões, procurem ficar atentos às declarações dos mediandos que os coloquem em posição defensiva, atribuindo culpa ao outro. Identificar esses momentos é o primeiro passo. Experimentem, então, com toda a naturalidade da conversação, ajudá-los a reconstruir suas declarações, indagando-as sobre possíveis soluções.

Um breve exemplo hipotético: uma parte, em uma sessão privada, faz a seguinte declaração: "Ela nunca me escuta, parece que tudo que falo entra por um ouvido e sai pelo outro..." Mediador: "Você gostaria de ela lhe escutasse melhor, certo? Há algo que você entenda que possa fazer para lhe ela lhe escute melhor, da maneira que você quer ser ouvido?"

Quadro inicial: "Ela não me escuta" (atribuição de culpa);
Novo quadro favorecido pela técnica: "O que posso fazer para ela me compreender melhor" (assunção de responsabilidade).

Neste exemplo específico utilizamos a paráfrase, buscando identificar uma necessidade na declaração inicial da pessoa, colocando essa necessidade em foco. Na sequência aplicou-se uma pergunta aberta reflexiva, ajudando a parte a pensar em estratégias e ações.

Muito além da técnica, responsabilizar-se na busca por soluções - ao invés de meramente culpar o outro - é uma postura nobre, ética e eficiente.

Em termos mais práticos, obtemos melhores resultados quando assumimos uma postura de buscar soluções. Seja no ambiente familiar, escolar, no trabalho, etc.

Indo um pouco além, na teoria da negociação por princípios, um dos entraves à criação de ideias que gerem ganho mútuo é a pressuposição de que "resolver o problema do outro é problema do outro". O bom negociador sabe que, não somente deve agir ativamente na busca de soluções para seus interesses, como sabe que é eficaz satisfazer o interesse do outro como forma de atingir o próprio interesse.  Aqui podemos levar ainda mais adiante a ideia de responsabilização, uma vez que ao nos buscarmos também soluções que atendam ao outro, aumentamos o ganho mútuo do sistema. Esse tópico em específico pede um estudo mais aprofundado. Recomendo fortemente a leitura da obra Como Chegar Ao Sim, de Roger Fisher, William Uri.







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